sexta-feira, 7 de novembro de 2014

YVES SAINT LAURENT (2014) de Jalil Lespert


 O filme Saint Laurent de Bertrand Bonello será um dos dois filmes que irão abrir o festival de cinema Lisboa&Estoril. Em honra dessa abertura, que ocorrerá hoje à noite, aqui está um texto sobre um outro filme biográfico à volta da figura de Yves Saint Laurent, também estreado em 2014.



 Não é a primeira vez que dois filmes sobre as mesmas personalidades famosas estreiam no mesmo ano, há que lembrar, por exemplo, Capote e Infamous. Mas não é por não ser inédito que não é algo que traz consigo um interessante impulso de comparação e de análise do modo como diferentes realizadores, diferentes produções olham uma figura da nossa realidade.

 Ainda não vi o, por mim enormemente antecipado, filme de Bertrand Bonello sobre a figura de Yves Saint Laurent, mas já tive o prazer, ou não, de ver o filme de Jalil Lespert. Tenho a dizer que espero que Saint Laurent seja bastante superior à obra sobre a qual aqui me proponho a escrever.

 Yves Saint Laurent, o filme, é uma obra do subgénero de cinema biográfico que tem uma francamente classicista e convencional estrutura no modo como nos expõe a figura no seu centro. Ou talvez fosse mais certo dizer, as figuras, pois não considero este um filme de apenas um protagonista. Para além do icónico nome da moda francesa, Saint Laurent (Pierre Niney ), temos também o seu parceiro de longa data Pierre Bergé (Guillaume Gallienne), cujo contraparte real terá aprovado este filme em contraste com a sua suposta rejeição da visão de Bonello.

 O filme, volto a lembrar, é de uma extrema convenção e nada nos mostra mais isto que os seus momentos iniciais e o seu revelar da sua estrutura à volta das lembranças do velho Bergé. O filme nem sequer parece querer fixar-se num espaço de tempo específico, sendo que tenta explorar grande parte da carreira do célebre criador sem grandes preocupações com estrutura dramática, ou mesmo com uma estrutura um pouco diferente das centenas de outras obras cinematográficas de cariz biográfico.

 Para se verificar isso basta olharmos o momento “inspirador” que marca o final do filme. Um desfile luminoso, depois de vários contratempos e da queda em decadência de Saint Laurent, é-nos mostrado como um triunfo para o criador. Na banda-sonora passa uma interpretação de Maria Callas de Casta Diva, só para ainda mais sublinhar o cliché que o final se manifesta como sendo. Em resumo, um momento forçosamente inspirador de modo a, nos seus momentos finais, o filme quase canonizar, ou pelo menos glorificar, a figura de Yves Saint Laurent.

 Não que o filme, ao longo do seu desenvolvimento, não tente dar a Saint Laurent alguma complexidade, afastando-o dessa imagem mítica e santificada em que o filme poderia cair. No entanto, isto é principalmente feito a partir dos mais convencionais métodos possíveis. Abuso de drogas, amantes, decadência moral, etc. Não que isto não tenha acontecido, mas o filme nada faz com este material que muitos outros filmes não tenham feito de modo semelhante ou melhor. Para além disso, o filme nunca parece grandemente investido na criação de qualquer seguimento dramático nas cenas, apenas nos apresentando sequências letárgicas de episódios na vida de Saint Laurent. Por vezes, como nos encontros iniciais de Bergé e Saint Laurent, o filme ainda consegue encontrar alguma elegância narrativa mas o constante uso de voz-off destrói qualquer pretensão de sofisticação a que o filme possa almejar, na sua apresentação da vida dos seus protagonistas.

 Mas antes de falar mais da convencionalidade do enredo, talvez seja interessante falar um pouco do modo como o filme mostra a obra do criador no seu centro. Uma das cenas no início do filme revela, para mim, os problemas, assim como os pequenos triunfos do filme no modo como apresenta as roupas que têm em si um tão central papel. Nessa cena vemos Yves defronte de uma das suas criações para a casa Dior, estamos em frente a um espelho, pelo que também a audiência poderia apreciar numa proximidade da totalidade, o vestido edificado por Yves. Ele rapidamente, algo salientado pela montagem e pelo uso um pouco exagerado do som, cria uma faixa que acentua e cinta a silhueta já criada. O momento em que o vestido final nos é revelado perde, no entanto, o impacto que poderia ter, sendo que o realizador parece insistir em não nos mostrar em plano afastado o vestido completo, preferindo permanecer num plano em que ainda consigamos ler perfeitamente as faces dos atores e em que nunca conseguimos ver completamente a forma do recentemente aperfeiçoado vestido. Uma filmagem convencional que parece um pouco em discordância com as intenções do filme como uma obra sobre um dos grandes criadores de moda.

 No entanto, há que mencionar, os desfiles expostos no filme, são melhor filmados que estas cenas de criação em ateliê. É certo que caem em cliché, mas pelo menos são eficazes no modo básico como mostram a elegância das roupas de Saint Laurent. A música utilizada no segundo desfile do filme é particularmente eficaz no modo como cria um nervosismo articulado. A música composta por Ibrahim Maalouf é, na minha opinião, o aspeto técnico mais bem conseguido de todo o filme.

 O seu elenco não me parece mostrar grandes deficiências na sua interpretação, sendo que Niney é especialmente eficaz no modo como apresenta o jovem Yves num quase constante registo de nervosismo, de certos modos quase mecanizado. Mesmo assim, nenhuma das figuras parece particularmente desenvolvida, nunca realmente passando de uma impressão superficial dessas figuras da história da moda. Charlotte Le Bom como Victoire Doutreleau e Xavier Latiffe como Jacques de Bascher são, em particular, praticamente reduzidos a imagens de uma beleza puramente estética, a serem manipulados como objetos nas mãos dos protagonistas, que também não se encontram muito longe da condição de imagens vazias.

 Mesmo assim o filme mostra uma certa eficiência e competência que o elevam acima de outros muitos desastres na esfera do cinema biográfico e, pelo menos, nunca cai num aborrecimento mortal, como outras obras desse subgénero, estreadas neste mesmo ano. É, no entanto, importante de salientar que um maior primor técnico e versatilidade visual poderiam dar alguma elegância e sofisticação a um filme, que está sempre a levantar esses conceitos no seu diálogo, sem nunca os exibir na sua própria linguagem formal, a não ser em algumas sequências isoladas ao longo do filme.


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