Onde está o Cronenberg de outrora? Onde
está o homem que criou obras tão magníficas, a níveis textuais e formais, como Dead Ringers ou Naked Lunch? Esse visionário agora reduzido a uma complacência e
falta de interesse no visual dos seus filmes? Será isto uma prova do
envelhecimento e cansaço de um mestre? Terá sido o advento da fotografia
digital que o reduziu a tão pouco
inspiradas imagens? Será que pretende virar-se para uma austeridade formal que
em nada parece trabalhar com a podridão grotesca do seu argumento?
Não sei o que dizer. Já aquando do meu visionamento de A Dangerous Method, eu me tinha
amedrontado com uma aparente falta de inspiração no trabalho de um homem que
outrora havia trazido ao mundo as visões de pesadelo de filmes como Videodrome ou The Fly. Há que dizer, que esses medos foram brevemente sossegados
pela relativamente cuidada aparência de Cosmopolis,
mas com esta nova obra eu já perdi praticamente toda a esperança de encontrar
na filmografia futura deste realizador, outras obras-primas como as que
marcaram a primeira metade da sua tão auspiciosa carreira.
Peço desculpa de estar a mencionar todas estas obras
passadas, mas foi-me impossível a mim, se bem que possa ter tentado ter um
ponto de vista mais objetivo, olhar este filme sem pensar na sua posição na
filmografia deste realizador. Um autor que admiro pelo seu trabalho anterior e
que aqui vejo a cair em lugares comuns e a, porventura, perder aquilo que em
tempos o terá feito singular no panorama cinematográfico mundial.
Mas enfim, para além de ter antecipado o filme como uma nova
obra de Cronenberg, uma obra satírica que eu esperava ser uma revitalização na
sua filmografia (não aconteceu), também tinha imensamente grandes expetativas em
relação ao trabalho da célebre vencedora do prémio de melhor atriz na edição
deste ano do festival de Cannes. Com essa honra, Julianne Moore, uma das minhas
atrizes prediletas, arrecadou prémios no último dos três grandes festivais
europeus e conseguiu, ao contrário de Cronenberg, recuperar alguma da
relevância que parecia ter perdido relativamente ao seu auge no início da
década passada.
Ao contrário do seu realizador, a atriz não me desapontou de
todo. Moore interpreta Havana, uma atriz quase caricaturada de uma Hollywood
superficial, que tenta desesperadamente conseguir interpretar a sua própria e
falecida mãe (Sarah Gadon) num novo filme que farão da vida dessa passada
estrela. Essa sombra do estrelato da mãe parece seguir e atormentar esta atriz
que terá visto melhores dias, e chega mesmo a manifestar-se em aparentes
alucinações fantasmagóricas (algo muito ineficazmente filmado).
Em Havana, Moore
revela uma desconcertante vulnerabilidade e fragilidade quase psicótica e
grotesca no meio de uma caricatura satírica. Apesar das tendências simplistas e
redutivas do guião, a atriz descobre uma curiosa humanidade nesta figura, sem
nunca perder a sua condição como uma caricatura, como um conceito de um
escritor em relação às vápidas estrelas envelhecidas que povoam Beverly Hills.
E se falta algum desse provocador grotesco e originalidade no trabalho de
Cronenberg, tal nunca se poderia afirmar do trabalho de Moore, cujo melhor
momento, pelo menos na minha opinião, será a sua macabramente jovial dança
aquando do conhecimento de notícias trágicas que impedirão uma atriz de
interpretar o papel por Havana desejado. Em resumo, esta é outra das
formidáveis criações desta atriz e é bastante fácil afirmar que esta opera a um
nível que mais nenhum ator ou mesmo mais nenhum aspeto do filme consegue
alcançar.
Não seria a minha estupefacta surpresa, quando ao ver o
filme me começo a aperceber da condição secundária da própria Havana no
decorrer do filme, que apesar de seguir a bizarra estrela como se ela fosse uma
protagonista, nunca se constrói grandemente à sua volta, utilizando esta figura
mais para dar uma certa faceta satírica mais óbvia ao recorrer à caricatura. O
filme demora, aliás algum tempo até nos apresentar a formidável criação de
Moore, e antes do clímax do filme, a estrutura narrativa não tem qualquer
problema em se desfazer da sua mais bem conseguida criação, quase revelando a
sua relativa irrelevância para o desenrolar do suposto enredo do filme.
Enredo este que se faz à volta de dois irmãos, um adolescente
com estatuto de estrela de Hollywood e todos os seus bastantemente previsíveis
vícios, Benjie (Evan Bird), e uma jovem com tendências esquizofrénicas e
destrutivas que regressa agora a Los Angeles depois do seu quase exílio por
parte dos pais, Agatha (Mia Wasikowska). Esta última, é uma estranhíssima e
desfigurada figura. Uma outsider que depressa parece integrar-se nesta cidade
de estrelas e que se torna uma assistente ou chore whore para Havana. Agatha, apesar da sua aparente inocência
inicial, revela-se uma perigosa presença destrutiva tanto para si como para as
outras figuras em seu redor, incluindo a sua insuportável família em que todos os
mais venenosos clichés da unidade familiar de Hollywood se parecem manifestar.
Os seus pais (Olivia Williams e John Cusack) são apenas figuras de uma ineficaz
opressão e manipulação que, especialmente no caso da mãe, parecem apenas
presentes para o argumentista castigar e criticar na sua ineficaz e óbvia sátira
que se encontra infestada de lugares-comuns e aparente falta de originalidade.
Os atores desta estranha família não são particularmente
eficazes, algo particularmente desanimador no caso da notável Olivia Williams,
sendo que Wasikowska é a única que consegue fazer alguma impressão positiva,
trabalhando num registo semelhante ao explorado noutros dos seus papéis,
nomeadamente Stoker. Bird é sem
dúvida o maior fracasso do elenco, não sendo de todo possível, para mim como
membro da audiência, entender a suposta fama adquirida por esta figura devido
ao seu carisma num papel de um franchise
mercenário.
Um ator que vai
aparecendo ao longo do filme e que consegue trazer algo de interessante é, sem
dúvida, Robert Pattinson no papel de um condutor de limusina, quase que um
piscar de olho ao seu trabalho em Cosmopolis
em que ele era a poderosa figura guiada pela cidade numa limusina. As suas
breves interações com Moore parecem particularmente eficazes, se bem que isto
possa resultar de uma certa ambiguidade ou, pelo menos, falta de caricatura
óbvia no tratamento do argumento face a esta figura.
Os aspetos visuais, como já referi, são de uma pobreza
medíocre. Nunca caímos num amadorismo ou numa incompetência técnica, este é um
trabalho de profissionais com vários anos de carreira. Mas também nunca vemos
qualquer vitalidade no tratamento do material. Apenas a banda-sonora de Howard
Shore, no panorama sonoro do filme, parece conter algum interesse, mas também
não será nada de particular extraordinário.
Em resumo, o filme
apresenta-se como uma sátira vazia e pouco eficaz onde o cliché e o lugar-comum
domina, o visual e concretização formal são manifestações de uma aparente
complacência ou falta de interesse de Cronenberg. Mas, apesar disso, não
consigo recusar valor a um filme que contém em si uma tão maravilhosa prestação
de Julianne Moore, que carrega todo o filme nas suas costas e que, mesmo assim,
não consegue completamente eclipsar a mediocridade que a rodeia.
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