sábado, 22 de novembro de 2014

AMOUR FOU (2014) de Jessica Hausner



 Este filme, que terá sido coroado como o melhor filme em competição na edição deste ano do festival de cinema de Lisboa e Estoril, é-nos apresentado como uma comédia, como uma reflexão sobre o amor e mais especificamente sobre o período romântico na História europeia, com uma perspetiva bastante germânica e até satírica. Uma dissecação quase académica destes temas.

 E será mesmo nesse academismo que eu encontraria os grandes problemas do filme. Um filme que nos expõe a solenemente ridícula história de um casal sobre o qual se abate um trágico destino romântico. Falo de Henriette (Birte Schnoeink), uma jovem aristocrata, um aparente ideal da beleza e simplicidade feminina da época, e Heinrich von Kleister (Christian Friedel), um autor romântico com bizarras e extremas noções de romantismo. Estas duas figuras são imediatamente ligadas na abertura do filme quando observamos Henriette relatar o seu gosto por um poema romântico escrito por Heinrich, ao seu bastante mais velho e inofensivamente paternalista marido, Fredrich (Stephan Grossmann), revelando logo os interesses literários do filme.

 Acompanhamos as duas figuras ao longo de um pacto desajeitado de se suicidarem num pseudo ato de romantismo. Heinrich, na verdade, recorre a Henriette depois de ser rejeitado por uma prima, pela qual ele parece estar apaixonado, e Henriette apenas parece recorrer a Heinrich quando pensa, devido aos ridiculamente ineficazes conhecimentos médicos da época, que vai morrer brevemente de qualquer modo. O casal é assim levado ao suicídio, não por ideias românticos, mas para num caso encher um pressuposto vazio e falta de propósito na vida, Heinrich chega a dizer que sofre devido à vida, mas não devido à morte, e noutro caso por uma inicial tentativa de controlar as condições da própria morte, quando a vida se parece revelar vazia. O romance parece aqui revelado quase como uma fútil e vazia ficção criada para se encher esse pressuposto vazio, para se ter um propósito falso na vida, ou neste caso na morte.

 Pelo meio temos também uma exploração de uma aversão europeia a ideias com origem na Revolução em França. Uma rigidez social de uma aristocracia já nessa época, obtusa e fossilizada nos seus costumes arcaicos. Exploramos o ridículo das vidas destes seres, que apesar de serem representados por humanos, pouco se assemelham a tal, estando mais próximos de metáforas ou de símbolos utilizados numa dissertação literária.

 E chegamos de novo a um dos meus grandes problemas com o filme, o facto de parecer flagrantemente óbvio na sua crítica e na sua análise. O filme parece sempre uma dissecação sem vida de um movimento literário e idealista, mais do que um filme. Não que não revele por vezes um certo primor técnico em termos cinemáticos, mas existe um valor didáctico a que é impossível escapar.

 O filme parece querer propor uma sátira, ou pelo menos uma comédia de costumes, mas ao mesmo tempo almeja apo que se assemelha a uma reconstituição da época através do recurso à pintura. A inspiração nessa arte pictórica é óbvia e impossível de negar. Basta olhar para qualquer uma das rígidas composições do filme, cuidadosamente criadas de tal modo que tudo parece ter o se rígido posicionamento, até os figurantes na distante paisagem estão cuidadosamente posicionados de modo a obter composições reminiscentes da pintura europeia da época. Algo que é apenas reforçado pela cuidados cenografia e pelos figurinos, que apesar de tudo acabam por revelar certas limitações orçamentais que impedem o filme de chegar aos píncaros estéticos que tentaria alcançar.

 Essa rigidez não se encontra só na composição espacial, mas também no trabalho de ator, sendo que grande parte do filme é passado a observar figuras que se mantêm estáticas no meio de um tableau, quais estacas desumanas das quais saem as falas necessárias à exploração intelectual que o filme pretende realizar. Talvez isto seja uma procura de um registo estilizado, um reflexo da rigidez social, uma tentativa de alcançar uma rigidez cómica, ou pelo menos satírica como Wes Anderson ou Roy Andersson, mas nada disso se parece registar. Em vez disso parece que obtemos um filme de manequins estáticos sem vida em que é impossível encontrar qualquer tipo de subtileza, ou para ser redutivamente franco, qualquer tipo de humanidade. Confesso compreender as possíveis intenções da realizadora, mas não deixo de pensar neste como um exercício um pouco falhado, pelo menos nestes aspetos.

 Pondo de parte esta rigidez, há que admitir que o filme contém em si uma bastante interessante concretização plástica e que, nas mãos de um realizador com uma mais leve e descontraída, ou mesmo mais estilizada e formal, direção, o filme poderia manter toda a sua teoria literária e crítica social e humana, sem se tornar na esteticamente bela mas asfixiante obra de exploração de um romantismo fútil e vazio. As ideias que o filme quer expor não me parecem indicar fracasso, nem o guião com toda a sua rigidez e motivações ridículas e admitidamente cómicas, apenas penso que a versão que vemos perante nós no ecrã, não será a melhor concretização de tão possivelmente interessantes, se bem que nada subtis, intenções.

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