domingo, 25 de janeiro de 2015

INTO THE WOODS (2014) de Rob Marshall



 Trazer obras teatrais para o cinema é sempre algo que traz consigo complicações e problemas de adaptação, e isto é, talvez, muito mais certo, quando olhamos para adaptações de musicais, que, na sua maioria, têm em si uma teatralidade inerente que se estende à sua própria estrutura. Não estou aqui a dizer que musicais são normalmente as mais arrojadas criações teatrais cuja linguagem é difícil de adaptar ao ecrã, mas o facto é, que muitos musicais, nomeadamente este, requerem, pelo seu texto base, o edifício e a estrutura teatral para realmente funcionarem, ou pelo menos os códigos da representação teatral que não se encontram aqui presentes em forma de filme.

 Stephen Sondheim, o ilustre criador de Into the Woods, é um autor particularmente difícil de adaptar, pelo menos pelo que indica os resultados das adaptações que têm sido feitas das suas obras. Há o seu uso de estruturas que se separam em atos distintos, de comédia negra, atores a falar diretamente para a audiência, comentário meta-textual de um narrador presente, números musicais de grupo que não respeitam quaisquer barreiras físicas que o enredo pareça indicar, mas que aproveitam a coletividade permitida pelo palco, etc.

 E acrescente-se a tudo isto, uma intenção satírica, que necessita de um toque leve e cómico e que parece, neste filme, ser quase que completamente devastado por uma seriedade e aura de tragédia melodramática que tanto parecem pertencer ao cinema de prestígio que se abate sobre as salas de cinema nesta altura do ano.

 Esta é uma obra de sátira musical que vai dissecando, explorando e levemente desconstruindo, ou tentando desconstruir, os clichés e fórmulas narrativas dos contos de fadas que tanto ocupam o imaginário infantil do mundo ocidental. O musical une, portanto, Rapunzel (Mackenzie Mauzy), a Cinderella (Anna Kendrick), a Jack (Daniel Huttlestone) com o seu feijoeiro, a capuchinho vermelho (Lilla Crawford), a uma bruxa (Meryl Streep) e até a um casal originalmente criado para esta obra, um padeiro (James Corden) e a sua esposa (Emily Blunt), que, apesar dos seus desejos, não conseguem ter filhos devido a uma maldição lhes imposta pela bruxa, após um roubo do pai do padeiro (Simon Russell Beale).

 Tal como a adaptação de Tim Burton de Sweeney Todd, esta adaptação parece perder a maioria da comédia presente no original. O que se revela particularmente preocupante quando unido a uma sanitização efetuada sobre o texto e que retiram algum do dramatismo e motivações que são essenciais para a segunda metade do musical. Metade esta que, já no texto original se parece revelar como um problemático e prolongado epílogo, e que aqui vai perdendo o rumo e o impacto quando se começa a cortar partes essenciais como a morte de Rapunzel. O reprise de Agony, o número final com todo o elenco, etc. Obtemos assim um filme que trocou o humor negro por drama comum e a violência temática por uma simplicidade fácil e irritantemente constante neste tipo de cinema, que parece tão interessado em audiências como em troféus dourados.

 E o realizador Rob Marshall certamente não ajuda nada com a sua realização, que transforma o filme num seguimento de números musicais completamente inconsistentes em tom e intenção, e que parecem estar sempre a testar as águas e ver até onde é que podem ir em termos de estilização e teatralidade. E esta inconsistência estende-se a quase todos os componentes do filme, especialmente o visual que oscila entre um realismo fantasioso e uma artificialidade flagrante, entre figurinos estilizados do século XVIII e zoot suits cobertos de pelo, entre bosques que parecem, não intencionalmente, revelar a sua falsidade cenográfica, e quartos cobertos de flores e raios de luz que parecem, intencionalmente e maravilhosamente, criados com a intenção de transferir para a fisicalidade tridimensional, a estética normalmente encontrada em versões animadas de contos de fadas.

 Junte-se a isto, um maravilhosamente competente elenco, em que praticamente todos os atores parecem perfeitamente confortáveis no registo musical, e uma banda-sonora que adapta de forma robusta e majestosa as melodias do original de palco, e temos um filme que varia entre a mediocridade aborrecida e o esplendor de cinema de entretenimento que, por vezes, se revela no filme.

 Agony, por exemplo, é um milagre de adaptação do humor satírico das letras de Sondheim, tornando o dueto entre os dois príncipes charmosos, uma competição de poses dramáticas e exaltações heroicas que fazem dos dois homens uma caricatura em movimento de todas essas capas de romances históricos em que vemos heróis românticos com a camisa aberta e ares de herói sofredor. O prólogo, também se revela como um triunfo do cinema musical, trazendo a difícil estruturação de Sondheim diretamente para o cinema, a partir de um soberbo elenco e de uma encenação surpreendentemente boa, da parte de Marshall, que nunca me impressionou muito, apesar do seu atual estatuto como o realizador de escolha para as adaptações musicais de Hollywood.

 Por outro lado, temos, por exemplo, Witch’s Lament que devido a cortes, adaptações narrativas e uma filmagem desinspirada, retira qualquer impacto que o número pudesse ter e, sinceramente, qualquer consistência à maioritariamente energética interpretação de Meryl Streep. Ou It Takes Two, filmado de modo estranho e errático e que parece desrespeitar quaisquer normas de montagem, e que confere ao cenário, a partir de uma incrivelmente mal escolhida iluminação, uma artificialidade quase risória, apesar de parecer querer insistir num realismo inapropriado no modo de filmar a cena. Até o devaneio visual em flashback que ocorre em I Know Things Now, salienta a inconsistência do filme, especialmente em termos de registo estilo.

 Um filme estilisticamente anárquico, indisciplinado e desenxabido, que apesar de tudo isto chega a grandes momentos e números musicais, principalmente devido ao elenco, o que não pode deixar de me desapontar, quando a equipa técnica inclui nomes como Dion Beebe e Colleen Atwood. Anna Kendrick como Cinderella e Chris Pine como o seu príncipe, são particularmente eficientes e prodigiosos na sua interpretação e modulação de estilo e registo, trazendo as suas personagens de contos de fada a uma modernidade satírica, tudo isto não sacrificando o seu impacto dramático, que existe, apesar do modo como estas personagens são intencionalmente arquétipos e superficialmente bidimensionais numa inicial inspeção. O resto do elenco também é bom, sendo que Daniel Huttlestone me surpreendeu com a maturidade com que interpretou Jack, sem esquecer a imaturidade inerente à juventude impetuosa do rapaz. Sreep, que é quem tem recebido maior admiração e respeito da crítica, também é bastante dinâmica na sua interpretação, trazendo uma estilização bem-vinda ao papel da bruxa, não deixando de imbuir os seus números musicais com a tristeza, raiva e energia necessárias para a sua bruxa, tudo isto com uma fantástica rendição das canções que apenas me traz tristeza quando penso nas poucas ocasiões em que esta atriz realmente aproveitou os seus talentos vocais.

 Apesar dos meus problemas com o filme, tenho que dizer que foi uma experiência agradável de cinema, é ao fim ao cabo, uma peça de entretenimento mais do que uma sátira musical, pelo menos nesta interpretação cinemática com aspirações a prestígio e a estatuetas de um careca despido e banhada em oiro.


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