terça-feira, 6 de janeiro de 2015

FOXCATCHER (2014) de Bennett Miller



Ao longo da sua filmografia de três longas-metragens, o realizador Bennett Miller, galardoado este ano com o prémio de melhor realização pelo seu trabalho neste filme em Cannes, tem estabelecido um estilo e um vocabulário estético e temático imediatamente reconhecíveis, e se tal se manifesta principalmente numa sombria sobriedade e austeridade, acompanhada por explorações de dinâmicas e inseguranças masculinas, então é isso que vemos nesta sua mais recente oferta ao panorama cinematográfico.

Em Foxcatcher, Miller apresenta-nos mais uma história verídica, neste caso a da relação de quase mecenato e dependência que se estabeleceu entre o campeão olímpico de wrestling Mark Schultz (Channing Tatum) e o milionário americano John du Pont (Steve Carrell), descendente de uma das mais ricas famílias desse país. Mais do que motivado pelo desporto ou por um aparente patriotismo quase fanático, du Pont parece principalmente motivado por uma doentia rivalidade com a sua mãe (Vanessa Redgrave), ou melhor, por uma necessidade desmesurada de agradar e impressionar. A relação que se estabelece entre os dois é complicada pela presença do irmão de Mark, Dave Schultz (Mark Ruffallo), também ele um campeão olímpico em wrestling, e muito menos ludibriado pela presença magnânima do milionário que o irmão.

A dinâmica entre os irmãos é uma das mais importantes facetas do filme, e pelo menos para mim a mais fascinante. Isto leva principalmente a que, apesar de todos os problemas que eu possa ter com o filme, o assassinato de Dave Schultz por John  du Pont, a tragédia que leva esta história a ser contada, tenha um impacto que, não fosse a relação entre os irmãos, simplesmente não existiria.

E gostaria, antes de falar do que realmente me fascinou e deleitou no filme, de chamar a atenção para os elementos que, para mim, mais prejudicam o filme em geral. Nomeadamente aquela que é, de um ponto de vista pessoal, uma das piores prestações que tenho visto ultimamente em termos de atuação, ou pelo menos em termos de inserção de uma performance num filme. Falo da reptiliana interpretação de Carrell cuja presença em muitas listas de melhores interpretações do ano me continua a deixar atónito e incrédulo.

É melhor clarificar-me. Em du Pont, Carrell parece ter encontrado o papel com que passaria de um ator cómico a um ator dramático de prestígio e importância, jogando com um mimetismo da figura real, sendo que o ator terá estudado numerosos registos em vídeo do verdadeiro du Pont. Isto manifesta-se numa performance cheia de tiques e trejeitos, uma voz afetada e uma postura mecânica e rígida, uma presença que mais se assemelha a um robot humanoide que a um ser humano, especialmente quando rodeado de interpretações de grandes e prodigiosos realismos. Se havia já, graças ao guião, uma tendência para transformar du Pont num monstro desumano e incompreensível, quase que separado dos outros humanos no filme como uma monstruosidade com ideias de superioridade, então Carrell tudo faz para enfatizar isto, da pior maneira possível.

Muitos têm falado da atmosfera asfixiante do filme, e eu consigo ver do que falam, mas para mim a grande parte do problema não provém da realização formal de Miller, mas sim do trabalho que ele e o seu ator principal engenharam. Em cena, Carrell suga todo o ar para si, asfixia tudo à sua volta, qualquer exploração complexa das relações entre classes e familiares parecem desaparecer quando a audiência é exposta ao monstro que é du Pont, que se apresenta sob a forma de um Carrell coberto de maquilhagem pesada, que nada fazem para aproximar Carrell de uma representação humana.

Para além de Carrell, está um bom elenco, se bem que a insularidade do desenrolar do enredo leva a que apenas Tatum e Ruffalo tenham realmente algo de substancial a fazer, se bem que Redgrave marca uma indubitável impressão nos seus fugazes momentos no filme.

Tatum, como Mark, alcança aqui a sua melhor performance dramática, usando a sua fisicalidade e aspeto físico na desconstrução de masculinidade que o guião parece pedir, construindo aqui um turbilhão de inseguranças masculinas e uma necessidade doentia de agradar e de se impor à sombra inescapável do irmão. As cenas que partilha com Ruffalo e Carrell apenas parecem salientar o génio de Tatum, sendo que, as suas interações com Carrell são especialmente fascinantes no modo como o homem musculado e imponente parece infantilizado ou reduzido a um animal sub-humano, quase como um animal enjaulado, ou um cão enraivecido e constantemente amedrontado.

 Ruffalo também apresenta um trabalho sublime, criando o mais humano dos três protagonistas. O mais simpático e plausível, e o que mais se salienta face ao registo quase fúnebre que afoga o filme. Isto é essencial, como já disse, para o desenvolvimento da relação entre os dois irmãos, e para a intensidade que traz o final trágico do filme. A sua fisicalidade com Tatum é especialmente impressionante, sendo que Miller quase parece filmar os seus treinos e movimentos de luta como uma diferente linguagem, apenas dominada pelos dois irmãos.

Regrave tem apenas alguns momentos passageiros para criar uma impressão duradoura, mas tal não é difícil para esta veterana atriz que parece fazer carreira destes papéis de diminuto tempo em cena e de impacto imenso. O modo como a atriz estabelece a superioridade sentida por esta mulher face ao seu filho e face àqueles menos afortunados que a sua família, são algo de um gélido pesadelo. Ao contrário dos exageros de Crrell, a simplicidade de Redgrave é o que realmente estabelece e vincula a exploração que Miller faz destas pessoas que parecem ver as classes mais baixas, quase como animais, como uma espécie inferior, comparando-se mesmo os lutadores de wrestling, apoiados por John, com os cavalos de corrida da sua mãe. É na casualidade e indiferença de Redgrave que jaz o impacto destas explorações do filme e não, pelo menos para mim, na caricatura funérea de Carrell.

A acompanhar este desequilibrado mas por vezes genial trabalho do elenco, vem o estilo visual e sonoro que se tem vindo a desenvolver e a cristalizar na jovem filmografia de Miller. O trabalho de fotografia e de som são especialmente impressionantes no modo como expõe o mundo do filme quase como o interior de um mausoléu, de um túmulo marmóreo, onde nunca vemos luz branca e luminosa, onde tudo parece ora escuro, ora iluminado por uma luz pesadamente acinzentada ou leitosa. Um mundo sonoro em que os mais ínfimos sons parecem ser trazidos ao de cima criando um ruído que parece ressoar constantemente pelo cinema, nunca retirando ao filme a pátina de tensão com que o realizador parece querer tanto cobrir o seu filme.
Isto podia ser muito bem usado, mas quando conjugado com um guião que parece estar recheado de foreshadowings e de um ritmo lento e insistente numa tragédia eminente, o estilo de Miller apenas parece sufocar a pouca energia que ainda haveria dentro do filme. Associe-se a isto o trabalho de Carrell que parece despir de qualquer complexidade ou subtileza os temas de imagens masculinas, inseguranças, falsos e perigosos patriotismos e relações sociais entre mundos incompatíveis, e obtemos um filme que parece estar sempre no precipício de se tornar uma obra magistral mas que parece constantemente ser bloqueada por uma autoimposta e asfixiante aura de seriedade, importância e tragédia.


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