quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

THE THEORY OF EVERYTHING (2014) de James Marsh



 Ao contrário de muitos filmes biográficos, esta nova obra de James March não é focada na vida inteira de uma personalidade famosa, ao invés disto, The Theory of Everything foca-se num aspeto da vida do seu protagonista, ou talvez seja mais correto dizer dos seus protagonistas pois este é um filme sobre um casamento, sobre uma relação e dos seus contratempos, do seu fracasso, e da sua deterioração progressiva. Stephen Hawking (Eddie Redmayne) poderá ser a mais famosa figura neste filme, mas a sua mulher, Jane (Felicity Jones), recebe relevo semelhante ao do celebrado génio. É certo que o filme acaba por, ocasionalmente, descambar no já bastante caminhado terreno temático comum a tantos outros biopics, mas o modo como este filme nos expõe a este casamento mostra uma surpreendente maturidade para além de uma visão interessantemente inesperada, tendo em conta a banalidade na execução de grande parte do filme.

 O filme observa a relação de Stephen e Jane Hawking desde o seu primeiro encontro até ao seu divórcio, tendo uma espécie de epílogo numa visita à casa Real em que o prodigioso génio terá sido acompanhado pela sua primeira mulher. Para além disto, o filme é uma representação dramática do deterioramento físico sofrido por Stephen vítima de esclerose lateral amiotrófica (ELA), e o modo como isto afetou o casamento dos dois protagonistas. O filme é curiosamente maturo no modo como explora a evolução da sua relação, sendo especialmente interessante e refrescante no modo como não oferece grandes juízos de valor no comportamento dos dois, que acabam por encontrar conforto noutros indivíduos fora do seu casamento, Jonathan (Charlie Cox) e Elaine (Maxine Peake), com quem Jane e Stephen acabariam por casar respetivamente.

 Há, sem dúvida, quem se manifeste contra esta noção de imparcialidade da parte do filme, sendo que já li vários textos que apontam para um certo desrespeito para com a figura de Jane e para uma demasiada glorificação de Stephen. No entanto, eu não concordo com estas visões, no máximo eu apontaria para uma certa falta de complexidade, para uma certa simplificação, na concretização dos dois protagonistas. Este pode ser um filme com uma surpreendente maturidade e inteligência, mas continua a padecer de muitos dos problemas usuais neste tipo de filme, especialmente no que diz respeito a uma escrita bastante simplista e bidimensional de personalidades complexas na vida real, não pense nenhum leitor que me deixei cegar pelo mar de mediocridade no panorama do cinema biográfico.

 Neste tipo de filme o trabalho do realizador não costuma ser particularmente notório, a não ser na sua banalidade, basta olharmos para alguns dos variados exemplos que marcaram o passado ano de cinema anglófono, especialmente os filmes que acabam por se tornar filmes de prestígio e candidatos ao Óscar como acabou por ser o caso deste filme com as suas variadas nomeações. Chamo a atenção a isto pois neste caso o estilo do realizador é bem presente, para grande detrimento do filme que é filmado por Marsh num registo para si familiar. O filme é-nos apresentado sob uma névoa de romantismo cinemático bastante flagrantes na banda-sonora assim como, principalmente, na fotografia do filme, típica de Marsh, em que tudo parece brilhar com uma luminosidade conferida pela sobre exposição da imagem. Para além disso o filme utiliza bastante manipulação de cor, conferindo-lhe uma estética bastante artificial, bastante polida e genericamente atraente, o que em certos momentos se torna bastante estranho e contraintuitivo para com o enredo e o comportamento dos seus protagonistas, Vejam-se as cenas de Hawking no hospital, tão luminosas e manipuladas como os primeiros encontros com Jane, a que um brilho romântico e inescapável é conferido pela fotografia.

 Mas o interesse para a maioria da audiência não será certamente a conceção plástica e musical do filme, ou mesmo a maturidade com que este consegue abordar o desenvolvimento do casamento no seu centro, mas sim na história de Hawking, essa celebrada figura famosa a quase todos os que vão ver o filme eu presumo, e no trabalho dos atores. Trabalho este, que tem sido bastante celebrado nesta temporada de galardões dourados, sendo que tanto Redmayne e Jones foram nomeados para os Óscares nas suas respetivas categorias.

 Redmayne é bastante eficaz, especialmente no que diz respeito à deterioração física de Stephen, se bem que nisto ele foi bastante ajudado pela equipa de maquilhagem do filme, especialmente na segunda metade deste. Mas, há que admitir, Redmayne não acrescenta nada de surpreendente à sua interpretação de Hawking, limitando-se a recriar o que é apontado pelo guião, tanto no que diz respeito ao lado físico de Hawking como ao curioso sentido de humor que parece transparecer em Stephen, mesmo na sua imobilidade física. Se bem que é difícil criticar este ator por interpretar um papel escrita de modo óbvio e simplista, de modo um pouco óbvio e simplista.

 Felicity Jones é menos interessante, estando presa a um papel menos desenvolvido que o de Redmayne, e com um péssimo trabalho da equipa de maquilhagem cuja ideia de envelhecimento feminino parece resumir-se a uma peruca de cabelo cinzento. Um grande problema que acabo por ter com a prestação de Jones provém da sua aparente incapacidade de retratar uma mulher a envelhecer, sendo que a não ser no que diz respeito ao seu crescente cansaço com Stephen, Jane nunca parece realmente envelhecer, o peso dos seus anos parece resumir-se ao seu comportamento face ao seu marido e pouco mais. Mesmo assim a atriz oferece grandes momentos quando emparelhada em cena com Redmayne, especialmente nos momentos mais finais do filme, sendo que a cena a seguir à traqueotomia que deixou Stephen sem a capacidade de falar, assim como a cena em que o casamento dos dois finalmente chega a um fim, grandes momentos para os dois atores e para a audiência que observa as suas melancólicas e cansadas caracterizações.

 Não é, claramente, uma obra de génio sem igual, ou mesmo merecedora das honras que tem recebido, mas comparado com muitos dos filmes seus semelhantes, The Theory of Everything acaba por se revelar como um agradável exemplo de filme biográfico. Marsh trabalha um guião limitado com escolhas óbvias e um pouco flagrantes, como o modo como os filhos de Hawking estão sempre a correr ou em constante movimento à volta do seu pai, contrapondo a sua trágica imobilidade, ou uma terrível cena com uma caneta e uma plateia de admiradores. Os atores trabalham de modo eficiente, se bem que praticamente ninguém para além dos protagonistas consegue realmente deixar grande impressão no filme, mesmo Charlie Cox com a sua charmosa presença. Mas é um filme de interessante maturidade, de refrescante foco, não numa vida inteira de glórias, mas num casamento falhado mas mesmo assim fascinante na sua resignação e perseverança ao longo dos anos.

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