Haverá poucos
realizadores no panorama do cinema contemporâneo que detenham tão grande culto
e adoração como Christopher Nolan, pelo menos ao nível de popularidade
generalizada com que este autor é presenteado, sempre que entrega mais uma das
suas criações aos cinemas e às massas de adoradores que parecem querer sempre
defender o seu trabalho, independentemente de qualquer problema que essa obra
possa ter. Esta adoração geral é algo que sempre me incomodou na apreciação dos
filmes do realizador. Se acreditarmos no que se lê e na opinião geral, este é
um dos maiores autores do cinema de sempre e, sem dúvida, o mais importante
autor de cinema mainstream
contemporâneo, criando filmes cerebrais, negros e complexos, de um modo que
poucos conseguiram alcançar, Acho que é fácil perceber, pelo tom das minhas
palavras, que eu não partilho essa opinião geral, e que não sou, aliás, grande
fã de Nolan.
Apesar dessa falta de
adoração quase religiosa da minha parte, é difícil não admirar a ambição
técnica e temática desta última obra do realizador. Certamente não vou declarar
este filme uma obra-prima, mas acho que existe imenso a admirar em Interstellar, sem esquecer, no entanto,
que o filme está longe da perfeição e que, pelo menos na minha opinião, padece
de muitos dos problemas que afetam as obras passadas de Nolan.
O filme foca-se num
antigo piloto da NASA, Cooper (Matthew McConaughey), a viver com os seus dois
filhos num futuro em que a Terra parece estar a morrer. Todos vivem numa
existência de miséria assente numa precária economia agrícola em que as
colheitas vão morrendo, sendo que, a única que ainda resiste nesse planeta
moribundo, é o milho. Este é um mundo que desistiu, e que apenas tenta
sobreviver face à abjeta destruição da humanidade. Cooper partilha uma forte
relação com a sua filha Murph (Mackenzie Foy, Jessica Chastain e Ellen
Burstyn), que observa no seu quarto um estranho fenómeno que parece ter origens
na manipulação da gravidade. A rapariga chama-lhe o seu fantasma, e um dia,
graças a uma tempestade de pó, uma ocorrência comum neste árido planeta coberto
de um inescapável resíduo, o antigo piloto encontra as coordenadas que o levam
a uma base secreta onde uma equipa da NASA organiza uma missão de busca por um
planeta onde a vida humana se possa desenvolver, tendo em conta que os dias do
nosso planeta estariam contados.
Na vaga esperança de
salvar o planeta e a humanidade condenada que nele habita, Cooper deixa a sua
família na Terra e parte numa perigosa missão de exploração e, caso a hipótese
de levar as pessoas do planeta moribundo para essa nova casa, uma missão de
colonização e repovoamento. Sempre na esperança de voltar para a sua família,
Cooper é acompanhado por uma equipa composta, entre outros, por Brand (Anne
Hathaway) uma cientista e exploradora, filha do professor Brand (Michael
Caine), que permanece na Terra tentar encontrar uma solução para a transladação
da população terrestre para outro planeta e que tem desenvolvido todo o
projeto.
Revelar mais sobre o
filme seria um pouco traiçoeiro, para mim grande parte do prazer do filme
provém da tensão que Nolan consegue ocasionalmente conjurar. Há que dizer que
ocorrem visitas a outros planetas, várias cenas de diálogo e de tensão e uma
avalanche de problemas que parecem amaldiçoar tanto a missão espacial como a
população na Terra, entre muitos outros elementos do exponencialmente
complicado enredo.
Tal como a maioria
dos filme com guião assinado por Christopher Nolan, obtemos aqui um filme cheio
de diálogo expositivo, sendo os primeiros e os últimos 20 minutos do filme
particularmente infetados com uma necessidade quase patológica de explicar tudo
à audiência, por muito repetitivo ou redundante que o filme possa estar a ser.
Não se diga nunca que Nolan é um guionista com capacidade de economia
dramatúrgica. Isto leva-nos a um guião que explica ora demais ora menos do que
deveria, sendo que o suposto realismo científico do filme, apenas traz mais
problemas ao filme, criando buracos lógicos e científicos onde não haveria
nenhuns se Nolan não estivesse tão empenhado em tudo explicar à sua audiência.
E não é que o filme
seja uma obra de intelectualismo científico ou filosofia complexa e profunda,
por muito que a opinião pública queira indicar o contrário. Se há algo revelado
neste filme acerca de Nolan é que, longe de ser um realizador cerebral ou
intelectual, ele é um celebrado sentimentalista, resumindo um enredo que
engloba o destino de toda a humanidade assim como conceitos de tempo e espaço
longe de qualquer perceção usual dos mesmos, ao amor de um pai por uma filha e
vice-versa. Todo o filme poderia ser resumido dizendo que o amor entre um pai e
uma filha transcende tudo, espaço, tempo, tudo. O amor é a mais forte força da
Natureza, etc. Longe de filosofias existenciais, não?
Mas não usarei isso
contra Nolan. Sentimentalismo não é necessariamente mau e acho que quando este
filme se rende às emoções fortes sublinhadas tanto pelo fantástico trabalho de
McConaughey, como de Foy ,como pela bombástica banda-sonora de Hans Zimmer que
explode das colunas do cinema e varre audiência num ataque sonoro, vibrando
todo o corpo da audiência juntamente com as suas emoções. Isto funciona muito
melhor que a ciência e a exposição demasiado enfática. Oxalá todo o filme se
mantivesse nesse registo entre a ópera espacial e o melodrama familiar entre
galáxias. McConaughey é particularmente soberbo neste papel, sendo uma cena em
que este visiona um vídeo após a visita ao primeiro planeta, o claro ponto alto
do filme, para mim, quer seja pela absoluta confiança de Nolan no seu ator
principal, quer seja pela simplicidade da cena que apenas realça a
magistralidade de McConaughey que pode ter ganho um Óscar o ano passado por Dallas Buyers Club, mas que aqui oferece
talvez a sua melhor interpretação (se nos esquecermos de Magic Mike é claro).
O filme é pejado de
problemas como a completa falta de necessidade da existência do irmão, falhas
de lógica temporal, especialmente na emocionante sequência que marca o clímax
do filme entre McConaughey e Chastain, em galáxias e realidades temporais
completamente diferentes. E mal comecei, olhe-se para a reunião desenxabida que
marca o verdadeiro final do filme e que parece trair as expetativas criadas na
audiência, ou os clichés e péssimos diálogos que se espalham como uma doença
infeciosa pelo guião. Mas não vale a pena continuar. O filme pode ter imensos
defeitos mas não deixa por isso de ser uma experiência inegavelmente
arrebatadora.
Já falei um pouco da
parede violenta de som que se abate sobre a audiência, e que levou muitos
membros da audiência a expressarem o seu descontentamento internacionalmente,
não conseguindo ouvir os diálogos devido ao volume da música. Isso não me
afetou muito, sendo que achei isto uma interessante maneira de realmente
realçar o foco do filme, as emoções operáticas da tragédia de Cooper em prol de
ordem sonora ou coerência formal.
O visual do filme
também é, na generalidade, impossível de criticar com os seus fenomenais efeitos
visuais, e com uma maravilhosa fotografia do prodigioso Hoyte van Hoytema, que
aqui substitui o usual colaborador de Nolan Wally Pfister, e que faz um
trabalho brilhante na criação de imagens cristalinas e cheias de um monumental
impacto e beleza pitoresca, apesar da abundância de efeitos digitais na criação
do ambiente espacial. Também os cenários são geralmente bons, sendo os planetas
bem conseguidos na sua desolação desértica e visualmente estéril. Se bem que
tenho grandes dúvidas em relação ao cenário que marca o final do filme e que,
do meu ponto de vista, demonstra uma enorme falta de imaginação, criando um
espaço para além da compreensão humana como um seguimento geométrico de
prateleiras infinitas e fios esticados.
Os problemas do filme
são o que são, mas nada retira ao filme os seus pontos altos em que o filme
atinge píncaros pouco usuais nas salas de cinema contemporâneas. Este é um
verdadeiro épico, em ambição e execução, se também o é em incoerência e em
problemas, que seja, mas não me tirem os momentos de verdadeira emoção e fulgor
que este filme me deu e, presumo eu, deu a uma imensidão de pessoas, se nos
guiarmos pelos seus ganhos financeiros.
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