Tenho já a dizer que,
apesar de quaisquer reservas que tenha em relação ao filme, é refrescante ver
um filme em que é retratado um jovem homossexual e em que não temos um já
moribundo ênfase no seu sofrimento e rejeição social devido a esse aspeto de
si. É algo que não terá muito a ver com a qualidade geral do filme, mas depois
de anos e anos com as mesmas histórias de “coming out” cheias de adolescentes
sofredores e quase martirizados, ver um retrato tão normal, tão casual deste
tipo de personagem é, volto a dizer, bastante refrescante.
Não que não haja
nenhum problema de inserção social do nosso protagonista, mas essa questão está
principalmente ligada ao facto de que Leonardo (Ghilherme Lobo) para além de
estar a descobrir a sua sexualidade, é cego desde nascença. O que será ainda
mais interessante é o modo como o filme no seu estudo de personagem parece
lutar contra uma definição deste jovem por essas duas facetas suas, a sua
sexualidade e a sua cegueira. Aliás, se existe um grande conflito no filme, será
a insistência do protagonista em não se deixar definir pela sua cegueira, que
tantas vezes parece fazer dele um pária social no seu ambiente escolar.
Apesar deste meu
entusiasmo em relação às temáticas do filme, há que salientar uma coisa. Este é
um filme de grande modéstia, que se parece contentar numa atrativa simplicidade
formal e em que os seus principais valores vêm de um cuidado na sua observação
de personagem. O filme nunca almeja a nada particularmente superior ou mais
sofisticado a níveis técnicos ou formais, sendo que o mesmo parece uma estável
obra de uma modéstia deliberada.
Apesar disso, o filme
mostra um interessante trabalho de fotografia, em que o mundo do seu
protagonista cego nos aparece sempre numa quase idílica beleza de ambientes
delicados e banhados por uma suave luz do sol. Apenas num momento fulcral do
filme, durante uma cena de festa noturna, é que a iluminação parece querer
atingir um nível ligeiramente mais ambicioso no seu uso de luz azul, que para
mim criou um grande choque visual. Não sei se essa era a ideia desse momento e,
sinceramente, não sei se a beleza superficial do filme realmente funciona,
tendo em conta a forma enfática como o filme tenta criar a perspetiva do seu
protagonista cego. Fará assim tanto sentido realçar uma beleza visual quando
exploramos o mundo de um invisual? Talvez houvesse aqui uma tentativa de
contrastar essa mesma falta de visão com um mundo belo e solarengo, mas isso
não parece muito explorado no decorrer do filme.
Outro aspeto da
fotografia do filme será o seu uso constante de composições de óbvia geometria,
a começar logo pelo plano que abre o filme, que dispõe Leonardo e a sua melhor
amiga, Giovana (Tess Amorim), na borda de uma piscina e os filma de uma
perspetiva perpendicular ao chão. É uma ótima forma de começar o filme,
especialmente no modo subtil como nos revela pormenores de personagem,
nomeadamente a cegueira de Leonardo, uma perspetiva idealista e inocente sobre
a sua inexistente vida romântica, e o interesse de Giovana em Leonardo, que não
parece perceber nenhum dos avanços da sua amiga. Tudo isto visto de um ponto de
vista de um delicado observador que parece se esforçar por não fazer juízos de
valor. Este tipo de perspetiva e caráter observacional vai permear o filme.
O equilíbrio desta
relação será ameaçado pela chegada de um novo aluno à turma de ambos. Gabriel (Fabio
Audi) será o interesse romântico deste leve romance de juventude. Ele torna-se
colega de Leonardo num projeto em pares que têm de fazer sobre Esparta (um imperdoavelmente
obvio plot device).
A sua relação vai-se
desenvolvendo num retrato bastante naturalista de uma ansiedade e do caráter
desajeitado do romance adolescente. Os dois atores são bastante eficazes neste
desenvolvimento de relação amorosa, nunca se tornando demasiado seguros de si,
nem em termos de linguagem corporal. O filme está cheio de olhares e toques
furtivos. Lobo é particularmente eficaz na sua representação de um introvertido
que parece sempre tentar reduzir o espaço que ocupa quando em conversa com
outrem.
No final, como seria
esperado, os dois ficam juntos e não há grande conflito, Aliás, se há uma
grande crítica que tenho a fazer ao filme é que o final se apresenta como um
fechar bastante forçado e risivelmente perfeito do filme. Os “bullies” que
ridicularizaram Leo no resto do filme, parecem calados pelas mãos dadas dos
dois namorados, não de modo maldoso, até parecem felizes por eles. E para além
disso existe quase uma repetição da entrada de um novo aluno na turma, que
nesta segunda ocorrência parece indicar a entrada de um interesse romântico
para Giovana, cuja relação e deterioração com Leo, parece completamente
remendada pelo final do filme. Em suma, tudo é resolvido de modo perfeito que
dá ares de sacarino.
Mesmo assim nada
disto retira ao filme os seus pequenos e simples triunfos na representação da
personagem de Leo e no despertar sexual de dois adolescentes realisticamente
desajeitados e inseguros de si. Veja-se por exemplo uma cena em que os dois
rapazes estão no chuveiro depois de estarem numa piscina. A câmara mantém a
modéstia doa atores, nunca testando o conforto da audiência e chega mesmo a
explorar o olhar tímido mas interessado de Gabriel no corpo desnudo de Leo,
usando mesmo a perspetiva do olhar de Gabriel no seu trabalho de câmara.
Este é um filme de
simples prazeres que nunca parece tentar chegar a maiores triunfos cinemáticos,
mas que dentro do lugar que estabeleceu para si mesmo, parece resultar na sua
maioria. É uma experiência solarenga e agradável e até, talvez, nostálgica no
modo como retrata este florescer de um primeiro romance na adolescência.
Sem comentários:
Enviar um comentário