Eu sei que devia tentar evitar spoilers mas, tendo em conta
que já passaram duas semanas desde a estreia mundial do sétimo episódio da saga
Star
Wars e que, segundo os números do box office, parece que metade da
população mundial tem vivido dentro dos cinemas a ver o filme e dar o seu
dinheiro à Disney, parece-me desnecessário ter tais precauções. Com isto dito,
todos os que tiverem receio de spoilers afastem-se, saiam da página, arranquem
os olhos. PAREM DE LER!
Já fiz o aviso obrigatório a este tipo de críticas.
Continuemos.
A razão pela qual eu coloquei esse aviso acima e pela qual
eu até percebo a fobia generalizada a qualquer tipo de spoilers do enredo de Star Wars: O Despertar da Força, é que, para mim, a completa ignorância em
relação ao conteúdo deste filme possibilitou-me uma das melhores experiências
que tive este ano nos cinemas. Eu não sou um fã devoto da saga Star
Wars, mas admito que os filmes são dos melhores exemplos de
entretenimento leve e eficiente a sair de Hollywood desde o final da era
dourada dos estúdios. Estou, pois claro, a falar da trilogia original e não das
desastrosas prequelas, onde apenas a música de John Williams e, em dois dos
filmes, os figurinos de Trisha Biggar conseguem merecer algum mérito.
O Despertar da Força é uma perfeita máquina de deliciosa
nostalgia, constantemente referenciando os filmes passados e deleitando-se numa
réplica da estrutura narrativa do primeiro filme de 1977, pelo que é
imensamente surpreendente que o filme contenha tantos prazeres mesmo para quem
não é um completo apaixonado por esse universo cinemático. Há algo de
energético e inegavelmente apelativo em relação a toda a obra, que consegue
captar a atenção da audiência de modo constante mesmo quando se torna
previsível ou preso a fórmulas narrativas do passado. Nas mãos de um realizador
incompetente (George Lucas), o guião completamente inspirado nas narrativas da
trilogia original teria sido um desastre de indulgência entediante, mas, graças
ao trabalho de Abrams, de toda a sua primorosa equipa técnica e do seu elenco, O
Despertar da Força é dos mais prazerosos filmes à disposição de
qualquer cinéfilo nestes últimos dias de 2015.
A narrativa começa 30 anos depois de O Regresso do Jedi,
quando Luke Skywalker está desaparecido e os Rebeldes, agora apelidados como a
Resistência, estão a lutar contra as forças malignas da Primeira Ordem
(basicamente o que sobrou do Império do passado), sem o seu lendário salvador.
A partir desta premissa narrativa entramos numa espécie de colagem de pedaços
do enredo dos primeiros filmes, com um novo Darth Vader, o filho de Han Solo
(Harrison Ford) e Leia Organa (Carrie Fisher) que se autointitula de Kylo Ren
(Adam Driver), a tomar um membro da Resistência, Poe Dameron (Oscar Isaac),
como prisioneiro, forçando esse herói rebelde a enviar o seu companheiro
droide, o adorável BB-8, para o meio de um planeta deserto, guardando um pedaço
de informação crucial para os esforços da Resistência. Basicamente é o mesmo
tipo de situação que inicia o primeiro filme com Poe a ocupar a posição de Leia
e BB-8 a de R2-D2.
Dameron consegue eventualmente escapar com a ajuda de um dos
dois protagonistas desta nova trilogia, Finn (John Boyega), um stormtrooper com
uma consciência que renuncia à tirania dos seus mestres. No entanto, os dois
acabam por se despenhar no planeta deserto, onde Finn encontra BB-8 e o Luke
Skywalker desta nova era da saga, Rey (Daisy Ridley).
E agora uma pequena pausa nesta descrição da história, pois
há que celebrar o facto de que, pela primeira vez num filme desta saga, a
grande figura heroica, a entidade salvadora de todo o Universo, o Jesus Cristo
da narrativa, é uma mulher. Num franchise corroído por um sexismo crónico desde
o primeiro filme, é refrescante ver um tão grande esforço em iniciar a nova era
da saga com uma clara evolução nos seus valores.
Como cereja no topo do bolo, Rey é uma fantástica
personagem, maravilhosamente interpretada por Daisy Ridley num papel que a
deverá catapultar para o absoluto estrelato do cinema de Hollywood se tudo
correr bem. Ela bem merece, assim como todo o elenco. Praticamente todos os
atores são brilhantes, e todos eles são fabulosas escolhas criando uma raridade
cinematográfica que é essencial para uma saga deste género, uma coleção de
numerosas personagens com quem a audiência quer passar o seu tempo e com quem
quer crescer.
Ridley é, portanto, uma joia de carisma e surpreendente
força e potente vulnerabilidade. Boyega é um achado cómico, um perfeito herói
relutante para o panorama atual onde humor pós-moderno é a escolha de eleição.
Oscar Isaac é uma supernova de charme e sedutora luminosidade de estrela de
cinema, tornando impossível que a audiência o ignore ou que evite apaixonar-se
pelo seu sorriso matreiro e atitude obstinada atitude de herói levemente
arrogante. Adam Driver pega no tipo de conflito que Lucas tentou
desajeitadamente conceber para Anakin Skywalker nas prequelas e torna-o uma
dolorosa realidade humana, injetando uma complexidade estonteante no que
poderia ser um completo cliché. A imaturidade e fisicalidade latentes no
trabalho de Driver é de particular génio.
Não são só os nomes dos atores mais jovens que merecem
ser mencionados. Carrie Fisher é uma presença que é sempre bem-vinda nos ecrãs
de cinema, trazendo uma bela maturidade à sua personagem envelhecida. Mas é
Harrison Ford que realmente se destaca, oferecendo o seu melhor trabalho de
sempre na pele de Han Solo que aqui é uma espécie de Obi-Wan Kenobi para os
novos heróis. E tal como Obi-Wan, Solo perde a vida na mais discutida cena de
todo o filme, às mãos do próprio filho, como que numa grotesca paródia da
confrontação entre Vader e Luke.
Quem não viu o filme e continuou a ler depois do meu aviso
deve estar furioso de momento.
Continuando, mesmo nos seus mais dramáticos momentos, como a
morte de Solo (estou a atirar sal para a ferida?) o filme oferece uma
refrescante vitalidade na sua reinterpretação, que é maioritariamente bem
conseguida. As únicas exceções negativas que eu me sinto forçado a apontar é a
nova Death Star, chamada Starkiller, que apenas difere das originais pelo seu
tamanho, e uma sequência a meio do filme que parece ser uma reprodução quase
exata do ambiente na cantina do primeiro filme.
Nem tudo é perfeito, é verdade, mas O Despertar da Força
brilha nos seus melhores momentos com uma intensidade perfeita para este tipo
de cinema de entretenimento. A salientar é uma sublime luta de sabres de luz,
que contém em si uma dolorosa fisicalidade nunca antes vista na saga, nem mesmo
no Império
Contra-Ataca.
Sinceramente poderia continuar a escrever e acabar com uma
crítica de 4000 palavras, mas penso que me devo conter. O filme é simples nas
suas intenções, que são as de entreter e de criar uma base sólida para o
desenvolvimento futuro desta nova trilogia ao mesmo tempo que homenageia o
passado da saga, e faz tudo isto com uma respeitável eficiência. O filme está
longe de se encontrar livre de quaisquer problemas estruturais, narrativos ou
mesmo formais, mas é uma delícia de cinema, perfeito para esta época festiva
para qualquer pessoa que queira ir ao cinema simplesmente para ser deliciado
por um espetáculo de ação e aventura sem grandes complexidades ou problemáticas
desconfortáveis. Star Wars: O Despertar da Força nunca acabará em nenhuma lista
pessoal de melhores filmes de 2015, mas certamente tem um lugar na dos meus favoritos
do ano, e penso que, ocasionalmente, isso pode ser mais admirável que inovação,
qualidade ou invenção artística. Só ocasionalmente.
Sem comentários:
Enviar um comentário