terça-feira, 29 de dezembro de 2015

STAR WARS: THE FORCE AWAKENS (2015) de J.J. Abrams



Eu sei que devia tentar evitar spoilers mas, tendo em conta que já passaram duas semanas desde a estreia mundial do sétimo episódio da saga Star Wars e que, segundo os números do box office, parece que metade da população mundial tem vivido dentro dos cinemas a ver o filme e dar o seu dinheiro à Disney, parece-me desnecessário ter tais precauções. Com isto dito, todos os que tiverem receio de spoilers afastem-se, saiam da página, arranquem os olhos. PAREM DE LER!


Já fiz o aviso obrigatório a este tipo de críticas. Continuemos.


A razão pela qual eu coloquei esse aviso acima e pela qual eu até percebo a fobia generalizada a qualquer tipo de spoilers do enredo de Star Wars: O Despertar da Força, é que, para mim, a completa ignorância em relação ao conteúdo deste filme possibilitou-me uma das melhores experiências que tive este ano nos cinemas. Eu não sou um fã devoto da saga Star Wars, mas admito que os filmes são dos melhores exemplos de entretenimento leve e eficiente a sair de Hollywood desde o final da era dourada dos estúdios. Estou, pois claro, a falar da trilogia original e não das desastrosas prequelas, onde apenas a música de John Williams e, em dois dos filmes, os figurinos de Trisha Biggar conseguem merecer algum mérito.

O Despertar da Força é uma perfeita máquina de deliciosa nostalgia, constantemente referenciando os filmes passados e deleitando-se numa réplica da estrutura narrativa do primeiro filme de 1977, pelo que é imensamente surpreendente que o filme contenha tantos prazeres mesmo para quem não é um completo apaixonado por esse universo cinemático. Há algo de energético e inegavelmente apelativo em relação a toda a obra, que consegue captar a atenção da audiência de modo constante mesmo quando se torna previsível ou preso a fórmulas narrativas do passado. Nas mãos de um realizador incompetente (George Lucas), o guião completamente inspirado nas narrativas da trilogia original teria sido um desastre de indulgência entediante, mas, graças ao trabalho de Abrams, de toda a sua primorosa equipa técnica e do seu elenco, O Despertar da Força é dos mais prazerosos filmes à disposição de qualquer cinéfilo nestes últimos dias de 2015.

A narrativa começa 30 anos depois de O Regresso do Jedi, quando Luke Skywalker está desaparecido e os Rebeldes, agora apelidados como a Resistência, estão a lutar contra as forças malignas da Primeira Ordem (basicamente o que sobrou do Império do passado), sem o seu lendário salvador. A partir desta premissa narrativa entramos numa espécie de colagem de pedaços do enredo dos primeiros filmes, com um novo Darth Vader, o filho de Han Solo (Harrison Ford) e Leia Organa (Carrie Fisher) que se autointitula de Kylo Ren (Adam Driver), a tomar um membro da Resistência, Poe Dameron (Oscar Isaac), como prisioneiro, forçando esse herói rebelde a enviar o seu companheiro droide, o adorável BB-8, para o meio de um planeta deserto, guardando um pedaço de informação crucial para os esforços da Resistência. Basicamente é o mesmo tipo de situação que inicia o primeiro filme com Poe a ocupar a posição de Leia e BB-8 a de R2-D2.




Dameron consegue eventualmente escapar com a ajuda de um dos dois protagonistas desta nova trilogia, Finn (John Boyega), um stormtrooper com uma consciência que renuncia à tirania dos seus mestres. No entanto, os dois acabam por se despenhar no planeta deserto, onde Finn encontra BB-8 e o Luke Skywalker desta nova era da saga, Rey (Daisy Ridley).

E agora uma pequena pausa nesta descrição da história, pois há que celebrar o facto de que, pela primeira vez num filme desta saga, a grande figura heroica, a entidade salvadora de todo o Universo, o Jesus Cristo da narrativa, é uma mulher. Num franchise corroído por um sexismo crónico desde o primeiro filme, é refrescante ver um tão grande esforço em iniciar a nova era da saga com uma clara evolução nos seus valores.

Como cereja no topo do bolo, Rey é uma fantástica personagem, maravilhosamente interpretada por Daisy Ridley num papel que a deverá catapultar para o absoluto estrelato do cinema de Hollywood se tudo correr bem. Ela bem merece, assim como todo o elenco. Praticamente todos os atores são brilhantes, e todos eles são fabulosas escolhas criando uma raridade cinematográfica que é essencial para uma saga deste género, uma coleção de numerosas personagens com quem a audiência quer passar o seu tempo e com quem quer crescer.

Ridley é, portanto, uma joia de carisma e surpreendente força e potente vulnerabilidade. Boyega é um achado cómico, um perfeito herói relutante para o panorama atual onde humor pós-moderno é a escolha de eleição. Oscar Isaac é uma supernova de charme e sedutora luminosidade de estrela de cinema, tornando impossível que a audiência o ignore ou que evite apaixonar-se pelo seu sorriso matreiro e atitude obstinada atitude de herói levemente arrogante. Adam Driver pega no tipo de conflito que Lucas tentou desajeitadamente conceber para Anakin Skywalker nas prequelas e torna-o uma dolorosa realidade humana, injetando uma complexidade estonteante no que poderia ser um completo cliché. A imaturidade e fisicalidade latentes no trabalho de Driver é de particular génio.




Não são só os nomes dos atores mais jovens que merecem ser mencionados. Carrie Fisher é uma presença que é sempre bem-vinda nos ecrãs de cinema, trazendo uma bela maturidade à sua personagem envelhecida. Mas é Harrison Ford que realmente se destaca, oferecendo o seu melhor trabalho de sempre na pele de Han Solo que aqui é uma espécie de Obi-Wan Kenobi para os novos heróis. E tal como Obi-Wan, Solo perde a vida na mais discutida cena de todo o filme, às mãos do próprio filho, como que numa grotesca paródia da confrontação entre Vader e Luke.

Quem não viu o filme e continuou a ler depois do meu aviso deve estar furioso de momento.
Continuando, mesmo nos seus mais dramáticos momentos, como a morte de Solo (estou a atirar sal para a ferida?) o filme oferece uma refrescante vitalidade na sua reinterpretação, que é maioritariamente bem conseguida. As únicas exceções negativas que eu me sinto forçado a apontar é a nova Death Star, chamada Starkiller, que apenas difere das originais pelo seu tamanho, e uma sequência a meio do filme que parece ser uma reprodução quase exata do ambiente na cantina do primeiro filme.

Nem tudo é perfeito, é verdade, mas O Despertar da Força brilha nos seus melhores momentos com uma intensidade perfeita para este tipo de cinema de entretenimento. A salientar é uma sublime luta de sabres de luz, que contém em si uma dolorosa fisicalidade nunca antes vista na saga, nem mesmo no Império Contra-Ataca.




Sinceramente poderia continuar a escrever e acabar com uma crítica de 4000 palavras, mas penso que me devo conter. O filme é simples nas suas intenções, que são as de entreter e de criar uma base sólida para o desenvolvimento futuro desta nova trilogia ao mesmo tempo que homenageia o passado da saga, e faz tudo isto com uma respeitável eficiência. O filme está longe de se encontrar livre de quaisquer problemas estruturais, narrativos ou mesmo formais, mas é uma delícia de cinema, perfeito para esta época festiva para qualquer pessoa que queira ir ao cinema simplesmente para ser deliciado por um espetáculo de ação e aventura sem grandes complexidades ou problemáticas desconfortáveis. Star Wars: O Despertar da Força nunca acabará em nenhuma lista pessoal de melhores filmes de 2015, mas certamente tem um lugar na dos meus favoritos do ano, e penso que, ocasionalmente, isso pode ser mais admirável que inovação, qualidade ou invenção artística. Só ocasionalmente.

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