sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Oscar Hopefuls, Jane Fonda em Youth



 Os Óscares têm uma esporádica afeição por honrar prestações de reduzidas durações. Trabalhos de atores que, em apenas alguns minutos, capturam a atenção da audiência e deixam um impacto inesquecível e incontornável nos seus filmes. Alguns exemplos são Viola Davis em Doubt, Hermione Badley em Room at the Top e Ned Beatty em Network, são alguns dos intérpretes indicados ao Óscar pelo seu trabalho em pouco mais de uma ou duas cenas nos seus respetivos filmes. Apesar deste tipo de nomeação não ser completamente incomum, premiar uma prestação tão diminuta é algo raro, sendo que a santa padroeira de tais atores é, sem sombra de dúvida, Beatrice Straight que, com pouco mais de uma cena, conseguiu ganhar o Óscar para Melhor Atriz Secundária pelo seu trabalho em Network. Este ano, mais uma atriz parece ter esperança de seguir o exemplo de Straight*.

 Ela é Jane Fonda, que em A Juventude/Youth, o novo filme de Paolo Sorrentino, interpreta Brenda Morel, uma estrela de cinema envelhecida que em tempos foi a grande musa do cinema de Mick Boyle, a personagem de Harvey Keitel. Sorrentino faz tudo para despertar a atenção da sua audiência, fazendo-a antecipar a chegada de Brenda, de quem se fala bastante durante todo o filme. Há uma carga de expetativas que se criam antes do primeiro vislumbre de Fonda, e, quando ela entra, é como um choque de explosiva energia.


 Infelizmente para Fonda, apesar de toda a antecipação que Sorrentino conjura para a sua entrada, o texto com que este presenteia a atriz é certamente um dos piores diálogos de todo este ano cinematográfico, independentemente da sua carga narrativa no desenvolvimento da personagem de Keitel. O autor italiano parece ter escrito Brenda como se ela fosse a namorada de um gangster num filme americano dos anos 30, apenas com uma considerável utilização da palavra ‘shit’ a diferenciar o texto desses filmes de décadas passadas. Conjugue-se isto com um visual que se aproxima do grotesco na sua extravagância, e temos, não um ser humano minimamente credível, mas sim uma ferramenta narrativa e estilística. Essa é, na verdade, uma descrição que não se restringe apenas à personagem de Fonda, mas sim a todo o elenco de A Juventude. Ela, como completa marioneta de Sorrentino, entra no filme, pega fogo à narrativa e sai, como uma total diva, completo com um dramático colocar dos seus óculos-de-sol.

 Fonda oferece um trabalho gritado na pele de Brenda Morel. É uma prestação que não tem sequer uma sugestão de subtileza, mas tem energia de sobra, o que também tem valor. Apesar do seu catastrófico diálogo e grotesca caracterização, Fonda oferece ao filme de Sorrentino uma intensidade proveniente do seu inegável poder de estrela. Ela é carismática e explosiva, grosseira e agressiva em todos os segundos que está no filme, e uma presença cheia de peculiar vitalidade. De um modo geral, apesar de estar terrivelmente escrita, a cena entre Keitel e Fonda é um tremendo sucesso, injetando uma necessária fogosidade no filme, e isso depende bastante do modo não modulado como a atriz cria esta diva. No final do diálogo, acabamos por concordar com ela, apesar da sua agressividade, e esta seria uma formidável, se monumentalmente problemática, participação, não fosse o facto de Sorrentino incluir no filme mais dois momentos com a atriz.



 Para quem não quiser ler spoilers do enredo de A Juventude, por favor pare de ler agora.
Os dois momentos de Jane Fonda depois desse infame diálogo com Keitel são breves, mas imensamente importantes para a generalidade do filme. Primeiro, voltamos a ver Brenda durante uma alucinatória cena em que Mick vê o que parece ser a totalidade das protagonistas dos seus filmes.


 Sinceramente, penso que é nesta breve cena que Fonda justifica os prémios com que tem sido recentemente agraciada. Há algo de intensamente rancoroso no seu olhar venenoso que transcende qualquer pueril texto que Sorrentino impõe aos seus atores. Infelizmente, o segundo momento de Fonda a seguir à sua confrontação com Keitel, não pede apenas à atriz que olhe ameaçadoramente para outro ator. Depois de  Mick se ter suicidado, vemos Brenda em completa histeria dentro de um avião, a pedir o perdão do seu realizador que ela ajudou a levar ao píncaro do desespero. Qualquer dignidade que a atriz conseguiu conjurar nas suas aparições anteriores se desvanece nestes terríveis momentos. Brenda é apresentada como uma harpia ensandecida com a sua peruca a cair e a sua face contorcida numa máscara de demoníaco desespero.

 Depois de ter aparentemente saído vitoriosa da sua confrontação com o realizador, esta diva é completamente exposta como uma cruel força de orgulho e destruição. Ela torna-se um símbolo de todas as supostas injustiças que deitaram abaixo a personagem de Harvey Keitel, e é consequentemente despida de quaisquer pretensões de ser mais que um simples arquétipo de monstruosidade feminina que Sorrentino decidiu colocar no seu problemático filme.

 Eu gostava de poder dizer que Fonda se eleva acima do ambicioso e terrível A Juventude, mas isso não é verdade. Mas, apesar de tudo isto, adoraria ver Jane Fonda de volta aos Óscares como uma nomeada, depois de ter alcançado a sua última nomeação em 1986 pelo seu trabalho em The Morning Afteruma prestação de semelhante intensidade e histeria. Neste momento, a nomeação de Fonda não é algo seguro, mas decerto que a nomeação aos Globos de Ouro ajudou. Por muitos que sejam os meus problemas em relação à personagem de Brenda Morel, e à prestação de Fonda, uma coisa é certa, depois de a vermos na sua incendiária confrontação com Harvey Keitel, é difícil nos esquecermos dela e da sua presença de absoluta estrela de cinema.




*A prestação mais curta a alguma vez ganhar um Óscar foi a de Judi Dench em Shakespeare in Love, mas Straight veio primeiro e, apesar de ter mais tempo de ecrã, tem ainda menos cenas que as três ocasiões em que Dench agracia o seu filme.

Sem comentários:

Enviar um comentário