Os Óscares têm uma
esporádica afeição por honrar prestações de reduzidas durações. Trabalhos de
atores que, em apenas alguns minutos, capturam a atenção da audiência e deixam
um impacto inesquecível e incontornável nos seus filmes. Alguns exemplos são
Viola Davis em Doubt, Hermione Badley em Room at the Top e Ned Beatty em Network,
são alguns dos intérpretes indicados ao Óscar pelo seu trabalho em pouco mais
de uma ou duas cenas nos seus respetivos filmes. Apesar deste tipo de nomeação
não ser completamente incomum, premiar uma prestação tão diminuta é algo raro,
sendo que a santa padroeira de tais atores é, sem sombra de dúvida, Beatrice
Straight que, com pouco mais de uma cena, conseguiu ganhar o Óscar para Melhor
Atriz Secundária pelo seu trabalho em Network. Este ano, mais uma atriz
parece ter esperança de seguir o exemplo de Straight*.
Ela é Jane Fonda, que em A Juventude/Youth,
o novo filme de Paolo Sorrentino, interpreta Brenda Morel, uma estrela de
cinema envelhecida que em tempos foi a grande musa do cinema de Mick Boyle, a
personagem de Harvey Keitel. Sorrentino faz tudo para despertar a atenção da
sua audiência, fazendo-a antecipar a chegada de Brenda, de quem se fala
bastante durante todo o filme. Há uma carga de expetativas que se criam antes
do primeiro vislumbre de Fonda, e, quando ela entra, é como um choque de explosiva
energia.
Infelizmente para Fonda, apesar de toda a antecipação que
Sorrentino conjura para a sua entrada, o texto com que este presenteia a atriz
é certamente um dos piores diálogos de todo este ano cinematográfico,
independentemente da sua carga narrativa no desenvolvimento da personagem de
Keitel. O autor italiano parece ter escrito Brenda como se ela fosse a namorada
de um gangster num filme americano dos anos 30, apenas com uma considerável
utilização da palavra ‘shit’ a
diferenciar o texto desses filmes de décadas passadas. Conjugue-se isto com um
visual que se aproxima do grotesco na sua extravagância, e temos, não um ser
humano minimamente credível, mas sim uma ferramenta narrativa e estilística.
Essa é, na verdade, uma descrição que não se restringe apenas à personagem de
Fonda, mas sim a todo o elenco de A Juventude. Ela, como completa marioneta de
Sorrentino, entra no filme, pega fogo à narrativa e sai, como uma total diva,
completo com um dramático colocar dos seus óculos-de-sol.
Fonda oferece um trabalho gritado na pele de Brenda Morel. É
uma prestação que não tem sequer uma sugestão de subtileza, mas tem energia de
sobra, o que também tem valor. Apesar do seu catastrófico diálogo e grotesca
caracterização, Fonda oferece ao filme de Sorrentino uma intensidade
proveniente do seu inegável poder de estrela. Ela é carismática e explosiva,
grosseira e agressiva em todos os segundos que está no filme, e uma presença
cheia de peculiar vitalidade. De um modo geral, apesar de estar terrivelmente
escrita, a cena entre Keitel e Fonda é um tremendo sucesso, injetando uma
necessária fogosidade no filme, e isso depende bastante do modo não modulado
como a atriz cria esta diva. No final do diálogo, acabamos por concordar com
ela, apesar da sua agressividade, e esta seria uma formidável, se
monumentalmente problemática, participação, não fosse o facto de Sorrentino
incluir no filme mais dois momentos com a atriz.
Para quem não quiser ler spoilers do enredo de A
Juventude, por favor pare de ler agora.
Os dois momentos de Jane Fonda depois desse infame diálogo
com Keitel são breves, mas imensamente importantes para a generalidade do
filme. Primeiro, voltamos a ver Brenda durante uma alucinatória cena em que
Mick vê o que parece ser a totalidade das protagonistas dos seus filmes.
Sinceramente, penso que é nesta breve cena que Fonda justifica os prémios com
que tem sido recentemente agraciada. Há algo de intensamente rancoroso no seu
olhar venenoso que transcende qualquer pueril texto que Sorrentino impõe aos
seus atores. Infelizmente, o segundo momento de Fonda a seguir à sua
confrontação com Keitel, não pede apenas à atriz que olhe ameaçadoramente para
outro ator. Depois de Mick se ter
suicidado, vemos Brenda em completa histeria dentro de um avião, a pedir o
perdão do seu realizador que ela ajudou a levar ao píncaro do desespero.
Qualquer dignidade que a atriz conseguiu conjurar nas suas aparições anteriores
se desvanece nestes terríveis momentos. Brenda é apresentada como uma harpia
ensandecida com a sua peruca a cair e a sua face contorcida numa máscara de
demoníaco desespero.
Depois de ter aparentemente saído vitoriosa da sua
confrontação com o realizador, esta diva é completamente exposta como uma cruel
força de orgulho e destruição. Ela torna-se um símbolo de todas as supostas
injustiças que deitaram abaixo a personagem de Harvey Keitel, e é
consequentemente despida de quaisquer pretensões de ser mais que um simples
arquétipo de monstruosidade feminina que Sorrentino decidiu colocar no seu
problemático filme.
Eu gostava de poder dizer que Fonda se eleva acima do
ambicioso e terrível A Juventude, mas isso não é verdade.
Mas, apesar de tudo isto, adoraria ver Jane Fonda de volta aos Óscares como uma
nomeada, depois de ter alcançado a sua última nomeação em 1986 pelo seu
trabalho em The Morning After, uma prestação de semelhante intensidade e
histeria. Neste momento, a nomeação de Fonda não é algo seguro, mas decerto que
a nomeação aos Globos de Ouro ajudou. Por muitos que sejam os meus problemas em
relação à personagem de Brenda Morel, e à prestação de Fonda, uma coisa é
certa, depois de a vermos na sua incendiária confrontação com Harvey Keitel, é
difícil nos esquecermos dela e da sua presença de absoluta estrela de cinema.
*A prestação mais curta a alguma vez ganhar um Óscar foi a
de Judi Dench em Shakespeare in Love, mas Straight veio primeiro e, apesar de
ter mais tempo de ecrã, tem ainda menos cenas que as três ocasiões em que Dench
agracia o seu filme.
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