“Sometimes it is the people who no one imagines anything of who do the
things that no one can imagine.”
Há que dizer, antes de se falar de mais
alguma coisa neste filme, que a fala que é persistentemente repetida ao longo
do filme por diferentes personagens e que é tão proeminente nas campanhas
publicitárias do filme, é uma das mais horrendas falas que ouvi nos últimos anos.
Cada vez que as palavras saíam da boca de uma das personagens eu desejava que
me caíssem os ouvidos, tamanha era a atrocidade. Nenhum ator, por muito
prodigioso que seja, consegue vender esse horror linguístico, nem mesmo Keira
Knightley. Esta minha insistência poderá parecer um pouco despropositada, mas
há já bastante tempo que nenhuma fala individual me conseguia irritar tanto,
expondo-se como uma ferida pulsante no centro de um guião problemático, apenas
sublinhando todos os problemas do filme no seu cariz emocional e inspirador
forçado e verbalização desajeitada e cliché.
Nem a mais engenhosa das estruturas conseguiria salvar um
filme com tamanha insistência num tão grande desastre verbal, e The Imitation
Game é, como seria de esperar, o desastre que essa fala parece pressagiar, mas
não o desastre que eu esperava. O filme, tal como Unbroken de Angelina Jolie, parece querer explorar uma personagem
histórica a partir de uma estruturação à volta de flashbacks, mas neste caso é acrescentado também o flashforward, criando uma estrutura
biográfica cliché e cansativa, em que não parecem existir quaisquer ideias
interessante ou elucidativas acerca dessa figura fascinante que foi Alan Turing
(Benedict Cumberbatch).
O filme desenvolve-se
à volta de Turing, nomeadamente dos seus esforços durante o auge da Segunda
Guerra Mundial para quebrar o código alemão Enigma, o que passou pela
construção de uma máquina, ainda hoje olhada como um precedente para a
tecnologia que viria a dar origem aos computadores modernos. Este génio
britânico era, apesar dos seus feitos na guerra, um homem de segredos e cuja
glória e heroísmo na guerra nunca foram realmente celebrados durante a sua
vida, quer seja pelo secretismo da missão em que isto foi desenvolvido, quer
seja pelos segredos do próprio Turing que era homossexual e que nos últimos
anos da sua vida terá sofrido uma perseguição judicial que levou a uma
castração química ordenada pelo estado e ao subsequente suicídio daquele que
deveria ter sido um dos mais celebrados heróis da Segunda Guerra Mundial.
Para além de
representar os anos de guerra e o envolvimento de Turing, o filme também nos
expõe a juventude do génio e o seu relacionamento, em rapaz, com Christopher (Jack
Bannon), um amigo próximo e colega de escola, assim como os anos que
antecederam a sua morte, nomeadamente a investigação policial que desvendou o
segredo da sua sexualidade e desencadeou os eventos que levaram à sua morte.
Tal como é
apresentado pelo filme, Turing teria sido um homem com fortes problemas de
cariz social e até psicológico, cheio de maneirismos e trejeitos extremamente
marcados e uma mente literal e de uma lógica fria e inteligência alienante.
Cumberbatch parece simplesmente interpretá-lo como uma variação do seu mais
famoso papel de Sherlock Holmes,
substituindo algum do seu carisma da série de TV, com uma falta de graça e de
delicadeza social, que nada fazem para tornar Turing na figura complexa que o
guião parece sugerir. Ele até consegue ter momentos de brilhante interpretação,
nomeadamente as suas cenas com Knightley no papel de Joan Clarke, o único
membro feminino da equipa que descodificou Enigma e a momentânea noiva de
Turing, cujo trabalho tudo faz para elevar o filme. O caráter mais humorístico
destas cenas funciona perfeitamente com os dois atores, sendo que Cumberbatch
brilha especialmente quando lhe é permitida uma certa leveza na interpretação e
não tanto o desespero trágico indicado para os seus momentos finais, que o
filme parece castrar de qualquer intensidade pelo modo como trata a sexualidade
de Turing.
Ao contrário do que
muita da discussão online parece
sugerir, o que o filme necessitava em termos de representação da sexualidade de
Turing, não seria decerto uma cena de sexo explícito, mas sim uma certa
franqueza e honestidade no tratamento do tema. Turing parece, francamente, uma
figura quase assexual tal como á apresentada pelo filme, o que faz com que
partes do guião pareçam particularmente estranhas, como o facto de Turing
acabar por chamar a atenção da polícia a partir do seu relacionamento com um
prostituto que o filme nunca mostra. O modo como o filme aborda a tragédia de
Turing assemelha-se ao modo de como muitos filmes de guerra mostram a
violência, algo importante e indispensável para o filme, cuja menção e
discussão devem ser evitados a não ser em momentos cruciais e cuja abordagem
tem de ser o mais segura e redutiva possível de modo a não alienar ninguém na
audiência. Até metade do filme, o guião parece esconder a sexualidade de
Turing, trazendo-a à conversa no modo mais desajeitado possível. Para um homem
que tanto sofreu devido à sua sexualidade, este tipo de tratamento num filme
biográfico é um maior insulto que qualquer outro problema deste filme que não é
pobre em problemas, há que se apontar.
Sendo um desses
problemas a clara falta de compreensão que o filme tem pela máquina de Turing,
cujo funcionamento parece quase mágico, pelo menos do modo como o filme
apresenta o seu desenvolvimento. Temos ainda o problema estrutural que o filme
cria, estando todo o seu melhor material, sem contar com um diálogo tardio
entre Turing e Clarke, na secção do filme situada durante a Guerra. Problemas
de tom também são abundantes num filme que não parece saber gerir a leveza
cómica de algumas cenas com a tragédia pesada e prestigiosa de outras. Junte-se
a isto uma pletora de más escolhas narrativas como a inclusão de um espião
soviético fictício e temos um filme extremamente problemático com uma conceção
formal completamente banal, sendo que apenas a música surpreendentemente eficaz
de Alexandre Desplat e os engenhosos figurinos de Sammy Sheldon,
particularmente eficazes na criação de várias e díspares posturas e silhuetas
masculinas.
Para além de
Cumberbatch, o elenco apresenta apenas duas interpretações de grande
relevância. Matthew Goode, que aproveita o seu usual charme carisma de estrela
de cinema neste filme para bons, se bem que expectáveis efeitos, e Keira
Knightley, que se eleva acima de todo o filme, dominando completamente as mudanças
de tom do filme sem danificar a sua caracterização de Clarke, e cuja presença é
uma constante brisa de ar fresco neste drama britânico que, sinceramente, não
conseguiria ser mais banal na sua execução se proactivamente tentasse fazer
isso mesmo.
O filme apresenta
ocasionalmente momentos inteligentes ou pelo menos de bom entretenimento, como
cenas num pub em que os jogos de namoros e flirts numa sociedade
heteronormativa parecem ser particularmente satirizados sob o olhar neutro de
Turing, ou os diálogos entre Turing e Clarke, sendo que a expressão facial de
Knightley quando Turing lhe propõe casamento vale todo o filme que a acompanha.
No entanto, com estes momentos, vêm também uma infinidade de escolhas terríveis
e cenas que apresentam uma clara falta de gosto ou bom julgamento da parte dos
criativos do filme, como uns ridiculamente inapropriados piscar de olhos à
audiência que envolvem maçãs e arsénico.
Um filme banal, uma
biografia inspiradora e de resultados expectáveis e aborrecidos. Tudo isto é
uma inevitabilidade nesta altura do ano em que os cinemas parecem de repente se
encher de filmes semelhantes a este, cuja sede de troféus e prémios, assim como
a sua necessidade de serem validados como importantes obras de grande prestígio,
parecem erradicar qualquer originalidade que neles pudesse existir.
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