sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

THE IMITATION GAME (2014) de Morten Tyldum





“Sometimes it is the people who no one imagines anything of who do the things that no one can imagine.”



 Há que dizer, antes de se falar de mais alguma coisa neste filme, que a fala que é persistentemente repetida ao longo do filme por diferentes personagens e que é tão proeminente nas campanhas publicitárias do filme, é uma das mais horrendas falas que ouvi nos últimos anos. Cada vez que as palavras saíam da boca de uma das personagens eu desejava que me caíssem os ouvidos, tamanha era a atrocidade. Nenhum ator, por muito prodigioso que seja, consegue vender esse horror linguístico, nem mesmo Keira Knightley. Esta minha insistência poderá parecer um pouco despropositada, mas há já bastante tempo que nenhuma fala individual me conseguia irritar tanto, expondo-se como uma ferida pulsante no centro de um guião problemático, apenas sublinhando todos os problemas do filme no seu cariz emocional e inspirador forçado e verbalização desajeitada e cliché.

Nem a mais engenhosa das estruturas conseguiria salvar um filme com tamanha insistência num tão grande desastre verbal, e The Imitation Game é, como seria de esperar, o desastre que essa fala parece pressagiar, mas não o desastre que eu esperava. O filme, tal como Unbroken de Angelina Jolie, parece querer explorar uma personagem histórica a partir de uma estruturação à volta de flashbacks, mas neste caso é acrescentado também o flashforward, criando uma estrutura biográfica cliché e cansativa, em que não parecem existir quaisquer ideias interessante ou elucidativas acerca dessa figura fascinante que foi Alan Turing (Benedict Cumberbatch).

 O filme desenvolve-se à volta de Turing, nomeadamente dos seus esforços durante o auge da Segunda Guerra Mundial para quebrar o código alemão Enigma, o que passou pela construção de uma máquina, ainda hoje olhada como um precedente para a tecnologia que viria a dar origem aos computadores modernos. Este génio britânico era, apesar dos seus feitos na guerra, um homem de segredos e cuja glória e heroísmo na guerra nunca foram realmente celebrados durante a sua vida, quer seja pelo secretismo da missão em que isto foi desenvolvido, quer seja pelos segredos do próprio Turing que era homossexual e que nos últimos anos da sua vida terá sofrido uma perseguição judicial que levou a uma castração química ordenada pelo estado e ao subsequente suicídio daquele que deveria ter sido um dos mais celebrados heróis da Segunda Guerra Mundial.

 Para além de representar os anos de guerra e o envolvimento de Turing, o filme também nos expõe a juventude do génio e o seu relacionamento, em rapaz, com Christopher (Jack Bannon), um amigo próximo e colega de escola, assim como os anos que antecederam a sua morte, nomeadamente a investigação policial que desvendou o segredo da sua sexualidade e desencadeou os eventos que levaram à sua morte.

 Tal como é apresentado pelo filme, Turing teria sido um homem com fortes problemas de cariz social e até psicológico, cheio de maneirismos e trejeitos extremamente marcados e uma mente literal e de uma lógica fria e inteligência alienante. Cumberbatch parece simplesmente interpretá-lo como uma variação do seu mais famoso papel de Sherlock Holmes, substituindo algum do seu carisma da série de TV, com uma falta de graça e de delicadeza social, que nada fazem para tornar Turing na figura complexa que o guião parece sugerir. Ele até consegue ter momentos de brilhante interpretação, nomeadamente as suas cenas com Knightley no papel de Joan Clarke, o único membro feminino da equipa que descodificou Enigma e a momentânea noiva de Turing, cujo trabalho tudo faz para elevar o filme. O caráter mais humorístico destas cenas funciona perfeitamente com os dois atores, sendo que Cumberbatch brilha especialmente quando lhe é permitida uma certa leveza na interpretação e não tanto o desespero trágico indicado para os seus momentos finais, que o filme parece castrar de qualquer intensidade pelo modo como trata a sexualidade de Turing.

 Ao contrário do que muita da discussão online parece sugerir, o que o filme necessitava em termos de representação da sexualidade de Turing, não seria decerto uma cena de sexo explícito, mas sim uma certa franqueza e honestidade no tratamento do tema. Turing parece, francamente, uma figura quase assexual tal como á apresentada pelo filme, o que faz com que partes do guião pareçam particularmente estranhas, como o facto de Turing acabar por chamar a atenção da polícia a partir do seu relacionamento com um prostituto que o filme nunca mostra. O modo como o filme aborda a tragédia de Turing assemelha-se ao modo de como muitos filmes de guerra mostram a violência, algo importante e indispensável para o filme, cuja menção e discussão devem ser evitados a não ser em momentos cruciais e cuja abordagem tem de ser o mais segura e redutiva possível de modo a não alienar ninguém na audiência. Até metade do filme, o guião parece esconder a sexualidade de Turing, trazendo-a à conversa no modo mais desajeitado possível. Para um homem que tanto sofreu devido à sua sexualidade, este tipo de tratamento num filme biográfico é um maior insulto que qualquer outro problema deste filme que não é pobre em problemas, há que se apontar.

 Sendo um desses problemas a clara falta de compreensão que o filme tem pela máquina de Turing, cujo funcionamento parece quase mágico, pelo menos do modo como o filme apresenta o seu desenvolvimento. Temos ainda o problema estrutural que o filme cria, estando todo o seu melhor material, sem contar com um diálogo tardio entre Turing e Clarke, na secção do filme situada durante a Guerra. Problemas de tom também são abundantes num filme que não parece saber gerir a leveza cómica de algumas cenas com a tragédia pesada e prestigiosa de outras. Junte-se a isto uma pletora de más escolhas narrativas como a inclusão de um espião soviético fictício e temos um filme extremamente problemático com uma conceção formal completamente banal, sendo que apenas a música surpreendentemente eficaz de Alexandre Desplat e os engenhosos figurinos de Sammy Sheldon, particularmente eficazes na criação de várias e díspares posturas e silhuetas masculinas.

 Para além de Cumberbatch, o elenco apresenta apenas duas interpretações de grande relevância. Matthew Goode, que aproveita o seu usual charme carisma de estrela de cinema neste filme para bons, se bem que expectáveis efeitos, e Keira Knightley, que se eleva acima de todo o filme, dominando completamente as mudanças de tom do filme sem danificar a sua caracterização de Clarke, e cuja presença é uma constante brisa de ar fresco neste drama britânico que, sinceramente, não conseguiria ser mais banal na sua execução se proactivamente tentasse fazer isso mesmo.

 O filme apresenta ocasionalmente momentos inteligentes ou pelo menos de bom entretenimento, como cenas num pub em que os jogos de namoros e flirts numa sociedade heteronormativa parecem ser particularmente satirizados sob o olhar neutro de Turing, ou os diálogos entre Turing e Clarke, sendo que a expressão facial de Knightley quando Turing lhe propõe casamento vale todo o filme que a acompanha. No entanto, com estes momentos, vêm também uma infinidade de escolhas terríveis e cenas que apresentam uma clara falta de gosto ou bom julgamento da parte dos criativos do filme, como uns ridiculamente inapropriados piscar de olhos à audiência que envolvem maçãs e arsénico.

 Um filme banal, uma biografia inspiradora e de resultados expectáveis e aborrecidos. Tudo isto é uma inevitabilidade nesta altura do ano em que os cinemas parecem de repente se encher de filmes semelhantes a este, cuja sede de troféus e prémios, assim como a sua necessidade de serem validados como importantes obras de grande prestígio, parecem erradicar qualquer originalidade que neles pudesse existir.

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