sexta-feira, 31 de outubro de 2014

GRACE OF MONACO (2014) de Olivier Dahan



 De um ponto de vista pessoal, tenho de admitir que, dos vários subgéneros que caracterizam a produção cinematográfica internacional, o filme biográfico é talvez o que mais abomino. Cheio de fórmulas e estruturas quase idênticas e uma usualmente colossal falta de originalidade. Digo isto para que se perceba que talvez me falte uma certa imparcialidade objetiva aquando do visionamento de um filme como este.

 Apesar disto, confesso que, aquando de ouvir a premissa inicial deste filme, fiquei um pouco esperançoso. O filme foca-se num espaço de tempo relativamente limitado, o que acho sempre preferível a uma estrutura que tente representar toda a vida de um indivíduo. Para além desse factoide, o filme seria sobre uma das mais célebres e belas estrelas da era dourada de Hollywood, Grace Kelly, tornada princesa Grace do Mónaco. O filme sobre a grande musa de Hitchcock, ir-se-ia focar em parte na negociação falhada para a entrada de Kelly no filme Marnie de Hitchcock, sendo que o próprio realizador seria uma das personagens no filme. E para além de tudo isto, quem protagonizaria a estrela seria uma das minhas favoritas pessoais, a brilhante Nicole Kidman.

 Estavam então os dados lançados, não para um sucesso, mas possivelmente para uma boa peça de entretenimento historicista. Quão enganado eu estava.

 Apresentado já um pouco do enredo do filme, acho pertinente referir que para além dos elementos referidos acima, um dos principais focos do filme é no conflito político que se verificou entre o Mónaco e o Governo Francês de Charles de Gaulle em 1962, algo que terá, segundo o filme, culminado numa Gala em honra da Cruz Vermelha, organizada pela princesa do Mónaco. O filme utiliza estes conturbados eventos para, em parte, explorar os problemas conjugais entre Grace e Rainier do Mónaco e a condição da princesa como mulher e representante de uma monarquia europeia face à sua educação americana.

 Se faço o filme parecer complexo e como, talvez, um interessante estudo sobre uma figura pública, por favor não me entendam mal. O filme pode ter muitas ideias mas nunca as desenvolve de um modo de todo funcional. Assemelha-se mais a um falhado melodrama que um estudo de personagem, e não um melodrama subversivo na linha de Douglas Sirk. Os elementos políticos nunca são particularmente bem explorados, acompanhados por uma banda-sonora demasiado enfática e forçada, e estranhamente aborrecidos e letárgicos.

 Aborrecido e letárgico, é aliás uma boa descrição do filme, que nem do ponto de vista técnico consegue alcançar qualquer tipo de virtuosismo dinâmico. Existe um constante uso de câmara em movimento que parece estar mais interessada em criar tensão, do que em explorar psicologias ou definir espaço, o que não teria nenhum problema, se resultasse. Nunca existe grande tensão no filme, sendo que o culminar do conflito político na Gala da Cruz Vermelha e num discurso de Grace, mesmo que verdadeiros, nunca parecem plausíveis.

 O resto do visual do filme é adequado, mas, de novo, nada de particular interesse. O filme, por vezes, assemelha-se a um bonito anúncio de perfumes. Uma estética agradável mas vazia, para a qual o irritante adjetivo “bonito” é mesmo o mais apropriado descritivo.

 Não que muito mais eu esperasse do nome de Olivier Dahan, que apesar de ter levado a magnífica Marion Cotillard a um Oscar, pouco mostrou nesse filme que evidenciasse qualquer tipo de competência na realização de filmes biográficos. Veja-se por exemplo o seu uso de visuais que, pelo menos a meus olhos, tentam homenagear os filmes de Hitchcock, como o uso de fogo-de-artifício visto de uma janela aberta durante uma discussão do casal (To Catch a Thief) ou o seu uso de green screen numa odiosa cena em que Grace conduz vertiginosamente através de uma estrada do Mónaco, quase que antecedendo o acidente que levou à sua morte, e que lembra o uso de rear projection na obra do realizador britânico.

 Também a sua exploração de Grace como atriz e princesa é bastante desajeitada, basta olharmos a sequência de makeover em que Grace chega a usar cartões com emoções escritas para treinar as suas expressões faciais enquanto princesa. Um visual que é repetido no final do filme, uma péssima escolha, nem que seja pelo seu relativo ridículo e pelo modo como tenta forçosamente ser inspirador e trágico.

 Gostaria, antes de encerrar este texto, de fazer uma pequena reflexão acerca do uso de estrelas de cinema para interpretarem outras figuras famosas. Isto é algo que me provoca constante debate mental, sendo particularmente forte quando vejo uma estrela de cinema interpretar outra estrela de cinema.

 Não é que Kidman seja uma má atriz, decerto que não se trata disso, mas penso que foi uma má escolha para este papel. Como Grace, Kidman nunca parece tentar capturar os trejeitos e modos de falar afetados de Kelly, sendo que isto seria louvável se resultasse, o que não acontece. Basta vermos uma cena como aquela em que Grace ensaia o texto de Marnie frente a um espelho e onde Kidman nem sequer se assemelha superficialmente a Grace num filme que constantemente insiste na imagem pública de Grace.

 Faz sentido um filme com este foco na imagem de Grace conhecida pelo público em geral, não suceder de todo na concretização dessa imagem? Faz sentido utilizar-se Kidman, quando durante o filme apenas conseguimos ver Kidman a interpretar uma princesa e nunca a imagem de Grace Kelly? E este é um filme obcecado com a imagem exterior, como se pode verificar no uso constante de espelhos e de reflexos, como que a forçosamente reduzir esta complexa mulher numa beleza vazia.

 O resto dos atores do filme sofrem do mesmo problema, mas não ao nível de Kidman. Vejam-se Tim Roth, Derek Jacobi, Parker Posey e Frank Langella, que povoam o filme de faces conhecidas e distrativas. Será esta distração algo positivo, tendo em conta o aborrecimento geral que permeia o desenvolver do filme?

 Não sei o que responder.

 Presumo que para enormes fãs fanáticos de Kelly ou Kidman, o filme possa esconder alguns leves prazeres, pelo menos em cenas como o longo discurso de Kelly na Gala da Cruz Vermelha em que o realizador soube fixar a câmara na face de Kidman de tal modo que quase nos esquecemos que por detrás dessa bela imagem de olhos azuis brilhantes de lágrimas e carisma de estrela de cinema, se esconde um filme que nunca se consegue elevar acima da mediocridade.


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